Programa Educacional em Vigilância e Cuidado em Saúde no Enfrentamento da COVID-19 e de outras Doenças Virais
Você pode observar que o Brasil tem vivenciado um processo de mudança do perfil de adoecimento e morte da população, como pode ser visto na Figura 1. Ocorreu uma queda acentuada da mortalidade por doenças transmissíveis, da mortalidade de menores de cinco anos e a redução significativa das causas evitáveis de morte. Esses resultados sanitários contribuem para que as pessoas vivam mais. Nesse cenário de transição epidemiológica e demográfica, emergiu o aumento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), como diabetes, hipertensão arterial sistêmica e outras doenças cardiovasculares, câncer, depressão, entre outras, e das mortes por violência (BRITO, 2007).
Deve-se alertar que esse é um cenário epidemiológico geral, em que se observa que as mudanças e melhorias nos indicadores de saúde não ocorreram de modo homogêneo. O quadro sanitário brasileiro de antes da pandemia de COVID-19 mostrava que o perfil demográfico e epidemiológico das parcelas mais vulneráveis da população ainda se caracterizava por pirâmides etárias mais jovens devido à menor expectativa de vida e à redução não tão expressiva – como em outros grupos da sociedade – da mortalidade infantil (BRITO, 2007).
Observa-se que há grandes diferenças epidemiológicas entre as regiões brasileiras e entre os grupos sociais. Esses coletivos populacionais convivem com uma tripla carga de doenças. Tomando como base o indicador “anos de vida saudável perdidos (DALY)”, verifica-se a coexistência do aumento das doenças crônico-degenerativas com elevados índices de morbimortalidade por doenças infectoparasitárias e por causas externas (LEITE, 2015).
As diferenças das condições sanitárias no Brasil ocorrem entre suas regiões e entre grupos sociais de diferentes áreas de uma mesma região ou município. Com relação às diferenças regionais, Leite (2015) observa que:
A comparação entre as regiões indica uma carga global mais elevada no Norte e Nordeste, refletindo mortes mais precoces e maior carga de incapacidade por problemas de saúde. A maior carga deve-se não apenas aos agravos [infectoparasitários e perinatais], mas também às doenças crônicas. A carga elevada deste grupo de doenças pode ser reflexo de piores condições de vida e de acesso aos serviços de saúde para controle dos fatores de risco (como a hipertensão) e para tratamento das doenças, determinando mortes mais precoces e maior incidência de sequelas. Ressaltam-se, ainda, as maiores taxas de homicídios no Norte e Nordeste, refletindo o aumento da violência verificado na última década nessas regiões (LEITE, 2015, p. 1560-1561).
Um reflexo da diferença na carga de doenças entre grupos sociais no Brasil pode ser observado no forte impacto das doenças psiquiátricas no DALY, principalmente a depressão e a dependência do álcool. Os transtornos mentais são fortemente influenciados pela precarização das condições de vida e de trabalho e representam um grande desafio para os serviços de saúde, na medida em que apenas uma pequena parcela das pessoas tem acesso e/ou procuram atendimento.
Outro fenômeno que reflete a desigualdade e a vulnerabilidade de diversos grupos sociais são os agravos por causas externas. A presença dos homicídios/violência na segunda posição do DALY de homens brasileiros chama a atenção para esse grave problema de saúde pública. Esse é um padrão que expressa a perpetuação de diferentes formas de violência (estrutural, policial, doméstica, de gênero, entre outras) a que estão expostas, mais intensamente, famílias que vivem em territórios em conflito permanente. Esse é um quadro que diferencia o Brasil de outros países de baixa e média renda, nos quais esse agravo não figura entre as dez primeiras doenças do DALY (LEITE, 2015).
Até esse ponto, é fundamental que você reflita sobre a importância das condições políticas, sociais, econômicas e culturais para o desenvolvimento das condições de saudabilidade das populações.
Nesse cenário, observa-se que a disponibilidade desses recursos é crucial para compreender o processo de saúde e adoecimento, assim como para entender como a carência destes impacta negativamente no modo e na qualidade de vida individual e coletiva. Contudo, analisamos que, mais do que constatar a existência de recursos naturais, tecnológicos e socioeconômicos, é necessário compreender como esses bens e serviços são distribuídos para as pessoas e apropriados por elas e seus grupos sociais de modo a atender às necessidades da vida digna e da saúde da população.
A desigualdade de acesso a bens e serviços e seus reflexos nas condições de saúde, mesmo quando retratados de modo agregado pelos indicadores epidemiológicos, nos conduzem à abordagem de importantes conceitos operativos que influenciam a forma de pensar a organização da atenção e a vigilância em saúde. São eles: