Programa Educacional em Vigilância e Cuidado em Saúde no Enfrentamento da COVID-19 e de outras Doenças Virais
A priorização dos eventos sob vigilâncias são estabelecidos a partir da transcendência (severidade, relevância social e/ou econômica) e magnitude das arboviroses com potencial de disseminação, a vulnerabilidade e os compromissos internacionais (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2010b). Esses elementos são utilizados como critérios para a inclusão de doenças na Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública (BRASIL, 2020a), que será abordada adiante nesta unidade.
Quando aplicamos os conceitos de transcendência e magnitude, concluímos que entre as quatro arboviroses (dengue, chikungunya, zika e febre amarela) que discutiremos nesta unidade a de maior transcendência e magnitude é, sem dúvida, a dengue.
A dengue é a principal arbovirose de importância em saúde pública. A plataforma PLISA da Organização Mundial de Saúde estima que metade da população mundial esteja vivendo em áreas de risco de transmissão de dengue e que ocorram em torno de 100 a 400 milhões de infecções a cada ano. Muitos desses casos são leves ou assintomáticos, e por essa razão o número total de casos pode estar subnotificado (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021).
Entre os anos de 2004 e 2014 a incidência de dengue cresceu em todo o mundo, tanto em número de casos quanto em distribuição espacial (Figura 1). Por essa razão a Organização Pan-Americana da Saúde organizou, em 2014, uma reunião da qual participaram os principais países das Américas com histórico de transmissão de dengue. Os objetivos foram revisar o conhecimento e as experiências disponíveis relacionadas à vigilância, à detecção, ao diagnóstico, ao manejo, ao tratamento e à prevenção da dengue e aprender com a experiência de países das Américas que têm se concentrado na geração de conhecimento por meio da pesquisa e da prática sobre qual a melhor forma de abordar a dengue no século XXI.
Apesar de a reunião de 2014 ter reafirmado a importância de todas as medidas em uso de prevenção e controle da dengue, houve uma mudança no cenário epidemiológico. Houve um aumento de casos expressivo nos anos seguintes, com destaque para os anos de 2016 e 2017 e, mais recentemente, para os anos de 2019 e 2020, conforme Figura 2.
O Brasil é o país que mais contribui com o aumento do número de casos de dengue nas Américas. Em 2022, até a SE 52, ocorreram 1.450.270 casos prováveis de dengue no país, ou seja, 679,9 casos/100 mil habitantes. Comparando ao ano de 2021, ocorreu um aumento de 162,5% casos (BRASIL, 2023).
As primeiras epidemias de dengue no território brasileiro foram reportadas há cerca de 40 anos, inicialmente no estado de Roraima (1981/1982), causada pelos sorotipos 1 e 4, e, em pouco mais de 4 anos, ocorreram epidemias em algumas capitais do Nordeste e no Rio de Janeiro. Atualmente, todas as unidades da federação registram transmissão autóctone de dengue, com circulação dos quatro sorotipos. As epidemias são relacionadas à introdução ou recirculação de novos sorotipos. Nesse período, pelo menos quatro anos merecem destaque: o ano de 2008, em que ocorreu uma epidemia de dengue no município do Rio de Janeiro ocasionada pela recirculação do sorotipo DENV2, com maior gravidade e número de óbitos entre crianças; o ano de 2010, devido à recirculação do sorotipo DENV4, quando o número de casos prováveis ultrapassou pela primeira vez a casa do milhão; e o período de 2015 a 2016, em que houve expansão da circulação do vírus no Brasil e aumento da incidência, de hospitalizações e da letalidade (BRASIL, 2019a; NOGUEIRA, 2007; DIAS JÚNIOR, 2017) (Figura 3).
Além do cenário de intensa transmissão de dengue no Brasil, outra ameaça por arbovírus foi identificada em 2014: a chikungunya. Os primeiros casos foram identificados nas Américas no final de 2013 e ocasionaram surtos nas ilhas do Caribe (DAUDENS-VAYSSE, 2015; BORTEL et al., 2014). No ano seguinte, o vírus rapidamente se espalhou por outros países das Américas, atingindo 35 países, incluindo o Brasil. Antes de sua introdução nas Américas, vários surtos haviam sido reportados na África e na Ásia, conforme Figura 4. Em alguns países da Ásia e da África ocorreram surtos somente entre 1950 e 1979, ou em 1980 a 2004, os intervalos entre os surtos foram superiores aos observados nas epidemias de dengue (BORTEL et al., 2014; KARIUKI NJENGA, 2008). Em 2005 houve um grande surto nas Ilhas da Reunião no Oceano Índico (MAVALANKA et al., 2008).