Unidade 3 – Vigilância e Controle de Vetores

Os arbovírus são vírus transmitidos por artrópodes vetores. Os vírus da dengue, zika e chikungunya são transmitidos no Brasil principalmente pelo mosquito Aedes aegypti (Figura 1), podendo ocorrer transmissão também pela espécie Aedes albopictus (Figura 2), que tem preferência por criadouros artificiais.

Conhecer as características do ciclo de vida de tais vetores (seu habitat, em que animais e períodos do dia as fêmeas fazem seu repasto ou alimentação sanguínea, onde se escondem e botam seus ovos, qual o seu tempo de vida, entre outras características) é importante na definição de ações para vigilância ou controle das arboviroses.

3.2.1 Ciclo de vida

Os mosquitos, dípteros (um par de asas anterior funcional e um par posterior transformado em halteres) da família Culicidae, vivem parte de sua vida em fase adulta ou alada, em ambiente terrestre/aéreo, e parte nas fases de ovo, larva e pupa, em ambiente aquático (Figuras 4, 5, 6 e 7). Seus ovos são depositados em recipientes com água ou superfícies úmidas, em criadouros artificiais ou naturais, de tamanhos e localizações diferentes, variando conforme a espécie. A duração de cada fase depende de fatores ambientais, climáticos e recursos disponíveis aos mosquitos.

Figura 4 - Ciclo biológico de mosquitos da família Culicidae
Andrade e Serpa Filho (2021).

Seus locais de reprodução e desenvolvimento sofrem influência da atividade humana, que altera o meio ambiente por meio do desmatamento, aquecimento global, crescimento demográfico, acúmulo de criadouros artificiais (lixo, principalmente), deslocamento de pessoas, entre outros. Tais fatores contribuem com a manutenção do vetor Aedes aegypti nos ambientes próximos ao homem. A espécie tem sido encontrada em um número cada vez maior de locais no mundo, e o número de municípios infestados por ela no Brasil aumentou bastante nas últimas décadas, apesar de todas as campanhas conduzidas para sua erradicação ou controle.

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As principais características do mosquito vetor do vírus da dengue, Aedes aegypti, foram apresentadas no manual Dengue: instruções para pessoal de combate ao vetor: manual de normas técnicas (BRASIL, 2001):

Espécie tropical e subtropical que possui hábitos urbanos, o Ae. Aegypti possui estreita relação com o homem. Seus ovos medem, aproximadamente, 1mm de comprimento e possuem contorno alongado e fusiforme. São depositados pela fêmea, individualmente, nas paredes internas dos depósitos que servem como criadouros, próximos à superfície da água. A fecundação se dá durante a postura e o desenvolvimento do embrião se completa em 48 horas, em condições favoráveis de umidade e temperatura. Uma vez completado o desenvolvimento embrionário, os ovos são capazes de resistir a períodos de dessecação de mais de um ano, facilitando seu transporte em recipientes secos (dispersão passiva) e dificultando seu controle (BRASIL, 2001, p. 11-12).
Figura 5 - Ovos do mosquito Aedes aegypti
Mauro Campello. Acervo da Fundação Oswaldo Cruz.
Figura 6 - Larvas de Aedes aegypti
Rodrigo Mexas e Raquel Portugal. Acervo da Fundação Oswaldo Cruz.
Figura 7 - Pupas de Aedes aegypti
foto gentilmente cedida pelo PhD. Lawrence Reeves, cientista assistente de pesquisa, do Laboratório de Entomologia Médica da Universidade da Florida/EUA. Disponível no Instagram @biodiversilary (https://www.instagram.com/p/B78kyX4nipQ/).
Figura 8 - Aedes aegypti pupa e adulto
Rodrigo Mexas e Raquel Portugal. Acervo da Fundação Oswaldo Cruz.

As larvas (Figura 6) alimentam-se de material orgânico acumulado nas paredes e fundo dos depósitos, e crescem passando por quatro estágios evolutivos em um período que varia conforme a temperatura, disponibilidade de alimento e a densidade no criadouro. O período entre a eclosão e a pupação é, no mínimo, de cinco dias, quando as condições são ótimas, mas pode prolongar-se por várias semanas. A larva do Aedes aegypti é composta de cabeça, tórax e abdômen segmentado. O segmento posterior tem um sifão de ar para a respiração na superfície da água. A larva fica em posição quase vertical para respirar, movimenta-se em forma de serpente e é sensível a movimentos bruscos na água e à luz. As pupas (Figura 7) não se alimentam e nessa fase se mantêm na superfície da água por dois a três dias até a emergência do inseto adulto. São divididas em cefalotórax (cabeça e tórax unidos) e abdômen, e têm um par de tubos respiratórios que atravessam a água, permitindo a respiração (BRASIL, 2001).

O Aedes aegypti adulto (Figura 8) representa a fase reprodutora do inseto e importante fase de dispersão. É um mosquito escuro, com faixas brancas nas bases dos segmentos tarsais (ausência de pelos) e um desenho em forma de lira no mesonoto. O macho se distingue da fêmea por ter antenas plumosas e palpos mais longos. Dentro de 24 horas após emergirem podem acasalar, e uma única inseminação é suficiente para fecundar todos os ovos que a fêmea venha a produzir durante sua vida (BRASIL, 2001). A fêmea grávida é atraída por recipientes escuros ou sombreados, com superfície áspera e água preferencialmente limpa, para depositar os ovos. Distribui cada postura em vários recipientes e se dispersa por pequenas distâncias, desde que haja disponibilidade de fontes alimentares e recipientes para oviposição. Quando não estão em acasalamento, procurando fontes de alimentação ou em dispersão, os mosquitos buscam locais escuros e quietos para repousar dentro dos domicílios, e ocasionalmente, no peridomicílio. Os adultos, na natureza, vivem em média de 30 a 35 dias (BRASIL, 2001).

Os mosquitos do gênero Haemagogus desenvolvem-se em plantas que acumulam água, entre as quais os ocos de árvores têm sido seu criadouro mais comum. Os adultos têm hábitos diurnos e abrigam-se preferencialmente nas copas das árvores, descendo ao solo eventualmente. Contudo, esse comportamento e sua intensidade são variáveis entre as espécies, influenciados até mesmo pela região. No período de chuvas, ocorre um aumento de fêmeas picando humanos. As espécies do gênero Sabethes têm características ecológicas semelhantes às dos Haemagogus (BRASIL, 2014a).

3.2.2 Distribuição, hábitos alimentares, infecção e transmissão viral

A espécie Aedes aegypti está distribuída geralmente em regiões tropicais e subtropicais, e no Brasil encontra-se disseminada em todos os estados e no Distrito Federal, amplamente dispersa em áreas urbanas. Macho e fêmea da espécie alimentam-se de carboidratos extraídos dos vegetais. Em busca de proteínas para o desenvolvimento dos ovos, as fêmeas se alimentam de sangue da maior parte dos animais vertebrados, com predileção pelo homem (antropofilia). O repasto sanguíneo ocorre quase sempre no início da manhã e ao anoitecer (BRASIL, 2001).

Seguem as principais características das espécies mais envolvidas na transmissão do vírus da FA para primatas não humanos (PNH) em regiões tropicais, segundo o Guia de vigilância de epizootias em primatas não humanos e entomologia aplicada à vigilância da febre amarela (BRASIL, 2014a):

Haemagogus (Haemagogus) janthinomys Dyar:

vetor primário do vírus amarílico ao homem no Brasil, encontrado em florestas pluviais na Mata Atlântica (Sudeste do Brasil) e na floresta amazônica. Há registros de sua infectividade natural pelo vírus amarílico (transmissão transovariana, ou seja, quando a fêmea coloca ovos já infectados pelo vírus), o que mantém o vírus circulando mesmo na ausência de hospedeiros vertebrados. Sua dispersão está limitada ao ambiente florestal (copa e solo), no qual exerce durante o dia a hematofagia (alimentação sanguínea) em vários grupos de mamíferos e aves.

Haemagogus (Conopostegus) leucocelaenus Dyar & Shannon:

ampla distribuição no continente sul-americano, presente em todos os estados do Brasil. Seus ovos são muito resistentes à dessecação, sugerindo longo período de incubação, e sua distribuição ecológica na floresta é vertical (solo e copa), com ampla dispersão das fêmeas além da mata. A atividade hematofágica ocorre principalmente no período da tarde, com hábito alimentar eclético (as fêmeas realizam repasto sanguíneo inclusive em humanos). É considerado vetor secundário do vírus amarílico.

Sabethes (Sabethoides) chloropterus von Humboldt:

espécie distribuída pela região neotropical e presente em todo o território brasileiro, desenvolve-se principalmente em ocos de árvores. Diferentemente de Haemagogus leucocelaenus, seus ovos não resistem à dessecação, ocorrendo exclusivamente em ambientes florestais. As fêmeas exercem hematofagia e oviposição durante o dia. Supõe-se que exerça maior participação na transmissão para PNH do que para humanos.

A espécie Aedes albopictus, frequente em regiões tropicais e subtropicais, está presente em todas as regiões do Brasil, podendo ser encontrada no peridomicílio e em ambientes naturais ou modificados. Está apta a colonizar criadouros naturais, além de ser capaz de colonizar os recipientes artificiais abandonados no ambiente florestal e rural. A espécie tem sido registrada em ambientes florestais do bioma mata atlântica do Brasil e tem importância na epidemiologia da FA por oferecer risco na formação de uma ponte entre os hábitats naturais e áreas urbanas. Apesar de ter demonstrado competência vetorial em laboratório, até o momento não foi associada à transmissão de dengue, chikungunya e zika nas Américas (BRASIL, 2014a).

O vetor pode se infectar ao picar uma pessoa infectada no período virêmico, dando início ao período de incubação extrínseco (tempo decorrido desde a ingestão de sangue com o vírus, pelo mosquito suscetível, até o surgimento do vírus na saliva do inseto). Com relação aos vírus da dengue e zika, esse período varia de 8 a 14 dias; para o chikungunya, varia entre 3 e 7 dias. Já na infecção dos mosquitos vetores da FA, o período de incubação extrínseco varia entre 8 e 12 dias. Após esse período, os mosquitos permanecem infectantes até o final das suas vidas (6 a 8 semanas), sendo capazes de transmitir o vírus para o homem (BRASIL, 2014a).

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Saiba mais

Informações detalhadas sobre essas e outras espécies capazes de transmitir o vírus amarílico podem ser encontradas no Guia de vigilância de epizootias em primatas não humanos e entomologia aplicada à vigilância da febre amarela (BRASIL, 2014a).

Como podemos ver, o mosquito Aedes aegypti tem capacidade de transmissão de diferentes arbovírus e vive em estreita relação com o homem, sendo relatadas altas infestações em diversos centros urbanos no Brasil. Aedes albopictus também pode ser encontrado no peridomicílio e participar do ciclo de arboviroses urbanas. As espécies silvestres dos gêneros Sabethes e Haemagogus, vetoras do vírus da FA, devem receber atenção das equipes de vigilância, principalmente em regiões com circulação detectada do vírus amarílico. Conhecer as características biológicas e hábitos dessas espécies é necessário para a melhor execução das ações de vigilância e controle entomológico, quando indicado.

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