Lembre-se
A detecção de eventos suspeitos de FA em tempo oportuno permite a investigação do LPI e dos locais de circulação do paciente e/ou PNH, assim como as ações de bloqueio e outras medidas de controle que se fizerem necessárias.
Programa Educacional em Vigilância e Cuidado em Saúde no Enfrentamento da COVID-19 e de outras Doenças Virais
Convido o trabalhador estudante a compreender agora aspectos importantes sobre a vigilância de vetores da FA nos ambientes urbano e silvestre. Assim como a vigilância de hospedeiros e reservatórios do vírus da FA, a vigilância de seus vetores é necessária para o monitoramento do risco de transmissão da doença. A detecção oportuna da circulação viral permite a análise e orientação das medidas de prevenção e controle necessárias em cada caso.
Segundo o Guia de vigilância de epizootias em PNH e entomologia aplicada à vigilância da febre amarela (BRASIL, 2014a), a vigilância entomológica da FA objetiva conhecer as principais espécies de mosquitos envolvidos na transmissão do vírus amarílico, contribuir para determinar a causa de casos humanos e epizootias (PNH encontrados doentes ou mortos, incluindo suas ossadas) suspeitos da doença e avaliar o risco de transmissão. Suas principais atividades são o monitoramento entomológico e a investigação entomológica.
O monitoramento das áreas com maior risco de transmissão é realizado com o intuito de acompanhar espacial e temporalmente populações de culicídeos potencialmente vetores, detectar precocemente a circulação viral e definir áreas com potencial de transmissão (receptivas) e áreas com recomendação de vacina. Já na investigação entomológica, as atividades são desencadeadas a partir de notificações de casos humanos ou epizootias em PNH suspeitos de FA, orientando o bloqueio de transmissão e outras medidas de controle necessárias.
Muitas vezes a coleta de amostras dos PNH para exames laboratoriais não é realizada, e a confirmação da transmissão se dá por meio de exames do vírus em mosquitos coletados na região do local provável de infecção (LPI), por vínculo epidemiológico. Podem acontecer também a coleta inoportuna (fora do período recomendado pelo laboratório) de material dos macacos ou humanos suspeitos de FA, ou a coleta no período correto, porém com resultados de exames inconclusivos. O LPI de casos humanos é definido com base na investigação epidemiológica do histórico de deslocamentos do paciente (considerando-se a data de início dos sintomas e período de incubação do vírus). A busca de vírus nos mosquitos também faz parte da avaliação do risco de transmissão local, sendo importante informação adicional das investigações.
Agora que conhecemos as ações de vigilância da FA, podemos compreender a necessidade do diálogo entre os trabalhadores da assistência em saúde, que recebem e tratam as pessoas com suspeita de infecção, os trabalhadores da vigilância epidemiológica, que monitoram as notificações suspeitas de casos humanos e epizootias e organizam campanhas de vacinação, e os trabalhadores da vigilância e controle de vetores. As informações e o trabalho dessas áreas se complementam, por isso todos os trabalhadores são muito importantes dentro do SUS!
Ações para o controle de vetores da FA são recomendadas em áreas de risco, diante da suspeita ou confirmação de circulação viral (epizootias em áreas periurbanas, urbanas e/ou casos humanos), visando à prevenção da reurbanização da doença. Vamos agora conhecer quais são essas medidas recomendadas pelo Ministério da Saúde?
Quando a epizootia suspeita de FA ocorre em área periurbana próxima à mata, é necessário realizar a investigação do evento e visitas domiciliares nas áreas de borda (300 ou 400 metros a partir da mata, ou em todo o território, no caso de municípios pequenos) com ações de comunicação, educação em saúde e manejo de criadouros do Aedes aegypti. Esse manejo inclui eliminação e/ou proteção (controle mecânico) de recipientes que possam ser locais de desova para as fêmeas do mosquito e aplicação de larvicidas (tratamento focal), quando necessário. Para que as ações sejam efetivas, recomenda-se o envolvimento da população, dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e do setor de limpeza urbana.
Quando a epizootia na área periurbana for confirmada para FA, deve-se realizar o controle de mosquitos adultos por meio da aplicação espacial de inseticidas, segundo as Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle das Epidemias de Dengue (BRASIL, 2009), além de ser necessária a intensificação de ações intersetoriais para o controle do mosquito.
Na ocorrência de epizootia suspeita ou confirmada em área urbana, deve-se investigar se há possíveis corredores ecológicos partindo de matas ou parques, onde o animal possa ter se infectado com o vírus da FA. A vigilância de casos humanos e de epizootias de PNH suspeitos deve ser intensificada, assim como as ações para redução da infestação do Aedes aegypti.
Não se recomenda a aplicação de inseticida em locais de mata. As ações de controle químico de vetores devem ser focadas nas áreas urbanas ou periurbanas vizinhas à mata. Diante disso, recomenda-se ampliar a vigilância de epizootias de PNH (Figura 9) e de casos humanos suspeitos de FA nessas áreas.
A ocorrência de casos humanos representa um risco de transmissão da FA em ciclo urbano, pela reintrodução do vírus em ambientes infestados pelo Aedes aegypti e pelo Aedes albopictus, espécies com capacidade para transmissão do vírus. Outros fatores de risco para a reurbanização da FA são a densidade populacional nos centros urbanos, a alta infestação por Aedes aegypti em um número cada vez maior de municípios, a expansão da circulação do vírus amarílico nas últimas décadas, baixas coberturas vacinais para FA e o intenso fluxo de pessoas entre as áreas com e sem circulação do vírus. A FA urbana não é registrada no Brasil desde 1942.
Para prevenção da reurbanização da FA, algumas estratégias são recomendadas no Guia de Vigilância em Saúde (BRASIL, 2021d), especialmente para serem realizadas nas áreas de risco para a FA infestadas por Aedes aegypti. Entre elas, orienta-se a realização de bloqueios de transmissão (controle de vetores adultos) e a manutenção dos índices de infestação por Aedes aegypti muito baixos, por meio do fortalecimento das ações voltadas para o controle dessa espécie, que veremos detalhadamente a seguir.
A detecção de eventos suspeitos de FA em tempo oportuno permite a investigação do LPI e dos locais de circulação do paciente e/ou PNH, assim como as ações de bloqueio e outras medidas de controle que se fizerem necessárias.
Como já vimos anteriormente, os mosquitos do gênero Aedes são vetores dos arbovírus causadores de dengue, chikungunya e zika. A espécie Aedes aegypti está distribuída em um número maior de regiões no mundo (Figura 10), sendo por isso considerada mais importante vetora que o Aedes albopictus, até o momento não associado à transmissão desses arbovírus nas Américas. A distribuição global de Aedes aegypti no mundo é representada no mapa (Figura 10), que mostra, em vermelho, as áreas com a ocorrência do mosquito e, em azul, aquelas sem a presença da espécie. Nas áreas de coloração intermediária (em amarelo e alaranjado), a probabilidade de ser encontrado o vetor é variada: quanto mais próximo da cor vermelha, maior essa probabilidade.
A migração rural-urbana, o crescimento da densidade populacional sem fornecimento regular de água encanada, o aumento da produção de lixo e, consequentemente, de criadouros para o vetor, tornam o ambiente urbano cada vez mais favorável à infestação e o Aedes aegypti um vetor bastante eficiente. Aedes aegypti é um mosquito domesticado que se desenvolve em containers construídos pelo homem em ambiente urbano, e a abundância do mosquito aumenta com a urbanização (HIGA, 2011). Somados a esses fatores, um inefetivo controle do mosquito, globalização, mudanças no estilo de vida e viagens internacionais contribuíram para a reemergência da dengue em áreas endêmicas e não endêmicas (GUBLER, 2011). A capacidade de sobrevivência dos ovos por longos períodos na ausência de água, contribuindo para sua manutenção no ambiente, as condições climáticas favoráveis à sua reprodução e sua dispersão passiva para novas localidades pelos meios de transporte são outros fatores que contribuem para a transmissão das arboviroses (ZARA et al., 2016).
Como os determinantes da manutenção do vetor em ambientes urbanos e sua dispersão para novas áreas são diversos, as medidas necessárias para seu controle exigem a participação de setores externos à saúde, por meio da implementação de políticas públicas intersetoriais que responsabilizem os gestores e a sociedade. Educação e mobilização social capazes de incentivar a população à transformação de informação em ação, buscando a redução de criadouros e a manutenção dos ambientes saudáveis, são imprescindíveis. O alcance da eficácia e da sustentabilidade do controle do Aedes aegypti exige a redução de determinantes relacionados à infraestrutura urbana, como inadequadas condições de habitação, irregularidade no abastecimento de água e destinação imprópria de resíduos sólidos. Para tal objetivo, o Ministério da Saúde (MS) propõe a criação de um grupo executivo intersetorial, que deverá contar com o envolvimento dos setores de planejamento, de abastecimento de água e de coleta de resíduos sólidos, que darão suporte ao controle da dengue promovido pelo setor Saúde.
Atividades sistematizadas para eliminação de focos do Aedes aegypti vêm sendo conduzidas no Brasil desde o início do século passado, com a campanha de controle da FA urbana comandada por Oswaldo Cruz e com o apoio da fundação norte-americana Rockefeller para atuação nas regiões Norte e Nordeste do país. O vetor chegou a ser erradicado por mais de uma vez no território, porém algum tempo depois havia a reinfestação e, nas décadas seguintes, os mosquitos se disseminaram para diversas localidades.
A criação do Programa de Erradicação do Aedes aegypti (PEAa) em 1997 promoveu a descentralização das ações para estados e munícipios, seguindo os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), com ações focadas na aplicação de inseticidas para controle químico (Figura 11).
Em 2002, o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) foi lançado sem a meta de erradicação do vetor, diante das evidências técnicas que sustentavam sua inviabilidade. Seus objetivos definidos foram redução da infestação vetorial, da incidência de dengue e letalidade, além da execução permanente das ações, abandonando o modelo campanhista anterior. O desenvolvimento de campanhas de educação e mobilização social e a atuação intersetorial foram incluídos no programa.
Tendo em vista experiências com a expansão da transmissão de dengue no país, o PNCD foi atualizado em 2009 com apoio das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, por meio da publicação das Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle das Epidemias de Dengue (DNPCED) (BRASIL, 2009). O documento incorpora aprendizados resultantes da vigilância, acompanhamento e assistência a pacientes de dengue, das ações de controle de vetores e da comunicação social.