Unidade 6 – Comunicação para Vigilância e Controle das Arboviroses

Tratamos, até o momento, do papel da comunicação de risco no combate às arboviroses tanto em cenários epidêmicos como não epidêmicos. Agora nosso objetivo é identificar as potencialidades da comunicação de risco articulada aos aspectos mobilizador e educativo.

Para isso, vamos nos aprofundar em pontos já abordados anteriormente, como o engajamento comunitário e o entendimento de que as mudanças de comportamentos, práticas e atitudes que a comunicação de risco almeja fazem parte de um processo contínuo baseado, entre outros componentes, na educação em saúde.

A comunicação em saúde, em um aspecto geral, está intrinsecamente relacionada a ações de literacia em saúde, a fim de que a população em geral se mantenha constantemente informada. A literacia em saúde, como processo permanente, é uma estratégia fundamental para a tomada de decisão para a promoção da saúde do indivíduo e da sociedade. Segundo Peres, Rodrigues e Silva (2021), em uma perspectiva alargada, essa prática social mobiliza competências e habilidades como:

  • Leitura crítica das mensagens veiculadas por meios de comunicação diversos;
  • Acesso à informação de qualidade em saúde e compreensão dessas informações;
  • Reconhecimento de crenças, valores e comportamentos na produção de sentido sobre as informações em saúde;
  • Avaliação da informação que circula em um cenário de excesso de informação que nem sempre são verdadeiras e baseadas em evidências científicas, o que chamamos de infodemia.
  • A literacia em saúde pode ser promovida continuamente na prevenção e combate às arboviroses, por exemplo, em campanhas educativas contra a dengue realizadas tanto pelo governo como por outros atores importantes, como escolas e meios de comunicação em uma perspectiva intersetorial.

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    Essa foto foi registrada antes da Pandemia do COVID-19, mas ressaltamos que todos os trabalhadores de saúde devem utilizar máscaras apropriadas em visitas domiciliares.

    Tais iniciativas visam a um processo de mobilização e sensibilização das comunidades em uma perspectiva que integra diferentes setores e parceiros estratégicos públicos e privados, juntamente com a área da Saúde (BRASIL, 2009).

    “Ressalta-se que combater o Aedes Aegypti demanda o envolvimento articulado de diversos setores – como educação, saneamento e limpeza urbana, cultura, turismo, "transporte, construção civil" e segurança pública – assim como o envolvimento de parceiros do setor privado e da sociedade organizada, extrapolando o setor da saúde. Vale lembrar que a comunicação não pode ser o único componente para trabalhar mudanças de comportamento. A educação em saúde também exerce papel importante nesse processo. A mobilização social deve ser compreendida como um suporte para ações de gestão, utilizando-se das ferramentas da comunicação para fazer chegar à sociedade o papel de cada um nas ações a serem implementadas” (BRASIL, 2009, p. 98).

    Focamos aqui no combate à dengue pelas orientações compartilhadas já nas referidas Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue (BRASIL, 2009), e que também já estavam delineadas no Programa Nacional de Combate à Dengue instituído em 2002, especificamente do sexto componente que dispõe as ações integradas de educação em saúde, comunicação e mobilização social. O documento orienta sobre a elaboração, em todos os municípios, de programas de educação em saúde e mobilização social, com ações que, entre outros pontos, fomentem tanto a participação popular na fiscalização de atividades e medidas de prevenção e combate ao Aedes aegypti como também a constituição de comitês de mobilização com a participação de diferentes setores da sociedade.

    Antes de adentrarmos especificamente nas questões relacionadas à mobilização, vamos nos ater um pouco mais na perspectiva intersetorial que sustenta uma perspectiva mais ampla de saúde pública.

    Ainda tomando como exemplos as estratégias de combate à dengue, a intersetorialidade é premissa das ações de comunicação e mobilização social promovidas pelo Ministério da Saúde e pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (BRASIL, 2009), que vão desde a qualificação de ouvidorias, colaboração na realização de oficinas e encontros formativos até ao apoio na implantação de comitês de mobilização estaduais e/ou municipais para o controle da dengue.

    Esses comitês, conforme disposto nas Diretrizes (BRASIL, 2009), são frutos de iniciativas das gestões estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde e devem articular diferentes frentes do governo e outros setores da sociedade, como lideranças comunitárias, empresas privadas e a sociedade civil organizada.

    Essas organizações, ao atuarem intersetorialmente, são recomendadas a (BRASIL, 2009):

  • Orientar sua organização com base nas diretrizes da Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa, aprovada pela Portaria nº 3.027/2007;
  • Elaborar escopo de trabalho, baseado em evidências e dados entomológicos e epidemiológicos, de mobilização e conscientização social;
  • Alinhar fluxos de trabalho para acompanhar e avaliar as atividades de mobilização;
  • Definir o cronograma de trabalho e o escopo da equipe e dos parceiros do comitê;
  • Promover materiais informativos de prevenção de combate à dengue articulados à realidade da comunidade a ser engajada e à linguagem adaptada a ela, levando em conta e apoiando manifestações culturais e artísticas que podem ser articuladas na comunicação e mobilização;
  • Desenvolver parcerias e articulações com conselhos de saúde.
  • Você conhece as ações dos comitês de sua cidade ou estado? Se conhece, deve ter observado na intersetorialidade as atividades e as vozes de diferentes setores que se organizam para o combate à dengue. Se não, convidamos você a buscar na Secretaria Municipal ou Estadual pelo Comitê de sua cidade ou que atue em sua região.

    Saiba mais

    Conheça pesquisas que avaliam as ações intersetoriais de Comitês de Mobilização: CANÇADO, M. S. M. et al. A intersetorialidade no plano de vigilância em saúde: um desafio nas ações de prevenção da dengue. CIAIQ2016, v. 2, 2016. Disponível aqui. Acesso em: 11 out. 2021.

    CHAVES, S. C. L.; SILVA, G. A. P. da; ROSSI, T. R. A. Avaliabilidade do Projeto de Mobilização Social para Prevenção e Controle da Dengue no Estado da Bahia. Saúde em Debate , v. 41, p. 138-155, 2017. Disponível aqui. Acesso em: 11 out. 2021.

    6.3.1 Mobilização social e engajamento comunitário

    O envolvimento e a participação da comunidade nas estratégias de comunicação de risco estruturam-se como um movimento contínuo de construção de um relacionamento entre as partes em torno de uma visão coletiva e em benefício do grupo. Um relacionamento que você pode construir e fortalecer suas ações cotidianas de comunicação de risco. Isto possibilita estabelecer a mobilização social como eixo condutor do engajamento comunitário na comunicação de risco para o combate às arboviroses. Mobilizar significa “[...] convocar voluntários a um propósito, com interpretações e sentidos compartilhados” (TORO; WERNECK, 1996, p. 26).

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    Essa foto foi registrada antes da Pandemia do COVID-19, mas ressaltamos que todos os trabalhadores de saúde devem utilizar máscaras apropriadas em visitas domiciliares.

    Na definição de Bernardo Toro e Nísia Werneck (1996), destaca-se a ideia de que, por ser direcionada a um propósito, a mobilização social envolve um ato de precisão e de necessidade: ela não se concretiza nem se efetiva em torno de algo vago. E, por ser preciso, esse propósito necessita de uma convocação, do compartilhamento de percepções e da partilha de um imaginário comum, o que coloca a comunicação como um aspecto intrínseco à mobilização. Em situações de surto, esse imaginário comum aos diversos grupos se orienta para a resolução e a superação da crise sanitária, por exemplo, a eliminação de vetores das arboviroses.

    Interessa aqui a compreensão da comunicação não como uma ferramenta para a simples transmissão efetiva de mensagens, mas como processos que envolvem a construção e a produção de sentidos que são criados e recriados em interações simbólicas diversas e em contextos específicos. As estratégias para o engajamento comunitário na comunicação de riscos requerem, muitas vezes, a articulação de diferentes níveis comunicacionais: o uso da publicidade televisiva de massa para a adoção de determinado comportamento da população em geral, campanhas direcionadas para profissionais de saúde e iniciativas comunicacionais locais, feitas, por exemplo, para e pela comunidade, empregando uma linguagem acessível com base na realidade de seus interlocutores. Nesse conjunto de ações, há um papel que deve ser levado em conta: o dos reeditores. Para Toro e Werneck (1996), a comunicação na sociedade se organiza em torno dessas pessoas que podem

    [...] negar, transformar, introduzir ou criar sentidos frente ao seu público. Esse é o poder do reeditor. Podemos dizer todas as mensagens que desejamos, mas a pessoa acabará aceitando apenas a mensagem que lhe está sendo interpretada pelo reeditor. Se o reeditor lhe diz: “isso não é importante”, isso não será importante. Se o reeditor lhe diz: 'veja bem, esse assunto deve ser entendido dessa maneira', a pessoa será capaz de moldar-se, reformular seu arcabouço perceptivo para interpretar determinado assunto de maneira precisa (TORO, 1996, p. 32-33, grifos do autor).

    Tomando por base a comunidade na qual está inserido, você seria capaz de reconhecer reeditores e o papel que exercem nesse processo de conscientização da população, por exemplo, no combate ao Aedes aegypti? Podem ser lideranças comunitárias, agentes comunitários de saúde, líderes religiosos, professores e até influenciadores digitais.

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    Por serem capazes de persuadir grupos nos quais estão inseridos, modificando formas de pensar e atuar, reeditores são agentes-chave para o engajamento comunitário. Cabe, no planejamento das ações de comunicação de risco, identificar quais reeditores são estratégicos para determinada situação e como alcançá-los e instrumentalizá-los.

    Veremos, a seguir, como trabalhar com a comunidade e como conhecer o público para construir estratégias eficazes de comunicação de risco.

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