Unidade 2 – Vigilância Das Doenças Transmissíveis

Antes de iniciarmos esta nova seção sobre as abordagem das rotinas de vigilância e atribuições de cada esfera de gestão do SUS, vamos rever o conceito de vigilância em saúde apresentado nas Diretrizes Nacionais da Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2010).

A vigilância em saúde tem por objetivo a observação e análise permanentes da situação de saúde da população, articulando-se em um conjunto de ações destinadas a controlar determinantes, riscos e danos à saúde de populações que vivem em determinados territórios, garantindo-se a integralidade da atenção, o que inclui tanto a abordagem individual como coletiva dos problemas de saúde (BRASIL, 2010, p. 16).

A observação e análise são essenciais para a vigilância, e, para isso, além de definições de caso padronizadas, é necessário que existam instrumentos de coleta de dados, sistema de informação e rotinas de vigilância estabelecidas (BRASIL, 2020b).

“A Vigilância em Saúde constitui um processo contínuo e sistemático de coleta, consolidação, análise e disseminação de dados sobre eventos relacionados à saúde, visando o planejamento e a implementação de medidas de saúde pública para a proteção da saúde da população, a prevenção e controle de riscos, agravos e doenças, bem como para a promoção da saúde” (BRASIL, 2020a).

Considerando esse conceito, podemos compreender que a vigilância deve coletar e analisar os dados permanentemente, para ter condições de identificar qualquer mudança nos padrões de transmissão.

2.4.1 Atribuições e rotinas de vigilância nas três esferas de gestão

Dentro da organização do SUS, reconhecemos que cada esfera que o constitui tem uma atribuição, estabelecida por meio da Portaria nº 264, de 17 de fevereiro de 2020 (BRASIL, 2020b).

Entre as atribuições da União estão as ações de vigilância, prevenção e controle das doenças transmissíveis; formulação de políticas, diretrizes e prioridades em Vigilância em Saúde no âmbito nacional; financiamento das ações de Vigilância em Saúde; normalização técnica e coordenação dos sistemas nacionais de informação.

Com relação aos estados, compete a eles a coordenação do componente estadual dos Sistemas Nacionais de Vigilância em Saúde, e sua atuação é especialmente importante quando se trata de arboviroses. Competem a esse ente o acompanhamento e a avaliação da rede estadual de laboratórios públicos e privados que realizam análises de interesse em saúde pública, nos aspectos relativos à vigilância; e a colaboração na resposta ao enfrentamento de epidemias, apoiando municípios, especialmente quando os surtos ocorrem em municípios vizinhos ou pertencentes a regiões metropolitanas.

No entanto, é nos municípios que a maioria das ações se desenvolve. Competem aos municípios as ações de vigilância, prevenção e controle das doenças transmissíveis; a coleta, processamento, consolidação e avaliação da qualidade dos dados obtidos das unidades de saúde; e alimentar os sistemas de informação. Isso significa que o município deve ser o primeiro ente a detectar mudanças no padrão de ocorrência das doenças e desencadear as medidas necessárias para mitigar os surtos ou preparar o sistema de saúde para atender aos casos.

As medidas de vigilância, independentemente do nível de gestão, envolvem ações diferentes de acordo com a situação epidemiológica local. Para isso, é fundamental conhecer o número de casos esperado para o período com base em uma série histórica da doença e na análise de dados laboratoriais e da situação entomológica local, a distribuição dos casos por faixa etária e a ocorrência de óbitos e hospitalizações.

Como já comentamos, é possível que as arboviroses circulem ao mesmo tempo em um local e que, devido à semelhança dos sintomas, é importante manter uma vigilância viral ativa, em consonância com a capacidade laboratorial pactuada com cada Secretaria Estadual de Saúde. A alternância de sorotipos de dengue, por exemplo, ou a circulação de chikungunya e zika em áreas onde o vírus ainda não foi identificado anteriormente ou que tenha circulado há muito tempo, pode apontar para possível aumento de casos no futuro próximo.

É importante, ainda, analisar a curva que consolide essas três arboviroses, uma vez que todas têm em comum o vetor. Isso pode tornar a análise mais sensível e oportuna e direcionar melhor as ações de controle vetorial.

Como a vigilância compreende várias etapas, por questões didáticas, os objetivos específicos da vigilância de cada arbovirose serão apresentados após discutirmos o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), as fichas de notificação e investigação e os softwares de análise.

2.4.2 Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)

Todas as arboviroses apresentadas nesta unidade são de notificação compulsória no Brasil, sendo a febre amarela de notificação compulsória imediata (em até 24 horas). Isso significa que, além da obrigatoriedade de notificar os casos suspeitos, independentemente da confirmação, é necessário reportar os casos de febre amarela às autoridades pelo meio mais rápido possível (telefone, fax ou e-mail), em razão da gravidade e do risco de dispersão para outras áreas do território nacional ou internacional.

As epizootias suspeitas são notificadas em uma ficha própria (Ficha de Notificação/Investigação de Epizootia), que tem campos para registro dos achados da investigação.

Cada uma dessas doenças tem Ficha Individual de Notificação (FIN), mas há partes em comum, com exceção da Ficha de Notificação de Epizootias. Os campos da ficha de notificação auxiliarão na análise dos casos por tempo, pessoa e lugar, respondendo às questões elementares da epidemiologia descritiva. Por meio das variáveis de data de início dos sintomas, é possível identificar, por exemplo, a sazonalidade e os períodos de maior ocorrência, enquanto as variáveis de idade, sexo e raça/cor permitem identificar grupos mais acometidos, e, por fim, as variáveis de bairro, município e estado identificam onde a doença está ocorrendo, contribuindo para a tomada de decisão.

Saiba mais

Acesse aqui as fichas de notificação do SINAN.

Além dos campos em comum, existe uma parte da ficha que é relativa a campos específicos de cada arbovirose, com exceção da zika, que não tem ficha de investigação específica, utilizando-se uma ficha simplificada chamada de notificação/conclusão. Em geral, esses campos se referem aos exames laboratoriais, LPI, classificação final (confirmado ou descartado), critério de confirmação (laboratorial ou clínico-epidemiológico), evolução (óbito ou cura) e hospitalização. A seguir, como exemplo, observe os campos da ficha de notificação/investigação de dengue (Figura 8).

Figura 8 - Ficha de notificação/investigação de dengue e chikungunya
Brasil (2016).

Quando o profissional de saúde atende a um caso que se enquadre na definição de caso suspeito de dengue, zika, chikungunya ou febre amarela, ele deve iniciar o preenchimento da ficha de notificação. Em geral, os prontuários ou fichas de atendimento clínico contêm as informações necessárias para iniciar o preenchimento dos campos da ficha de notificação.

No preenchimento da ficha de investigação deverá ser considerada a inserção dos campos de laboratório, doenças preexistentes (dengue e chikungunya), a evolução do caso, hospitalização e outras observações importantes.

Trabalhador estudante, qual o objetivo de digitar as fichas que integram o SINAN em tempo real ?

O SINAN irá por meio de uma rede informatizada apoiar o processo de investigação e dar subsídios à análise das informações do perfil de morbidade da população. A coleta e inserção de dados, a transmissão, a análise e disseminação dos dados de agravos de notificação compulsória nas três esferas de governo, em tempo real, devem apoiar a tomada de decisão de forma rápida e íntegra (BRASIL, 2021b).

Esse sistema tem duas versões, uma on-line, para dengue e chikungunya, e uma versão Net, para os demais agravos, mas que só pode ser acessada por usuários autorizados, mediante login e senha (Figuras 9 e 10). O módulo on-line desenvolvido para dengue e chikungunya permite que, feita a notificação, todas as esferas do SUS tenham conhecimento dos casos. A febre amarela, as epizootias e o zika são notificados no SINAN Net, e os dados são transferidos do município para as demais esferas do SUS, no entanto, especialmente com relação à febre amarela e às epizootias, devem ser usados meios mais rápidos de comunicação com as demais instâncias do SUS, simultaneamente à notificação no SINAN, para que as ações de controle sejam iniciadas de maneira oportuna.

Figura 9 - SINAN On-Line – visualização do acesso ao sistema
Figura 10 - SINAN net – visualização do acesso ao sistema
BRASIL (2021c)

Os bancos de dados gerados no SINAN podem ser exportados, em formato DBASE, para posteriormente serem analisados em softwares de domínio público. Falaremos sobre esses softwares adiante, quando exploramos algumas análises.

Saiba mais

Não esqueça da importância dos dicionários de variáveis que orientam o preenchimento dos campos das FIN e do SINAN, e roteiros de investigação específicos que estão disponíveis tanto no Guia de Vigilância, como no site do Ministério da Saúde, no portal do SINAN: http://portalsinan.saude.gov.br.

É possível que muito do que abordamos nesta seção sobre o SINAN já seja do seu conhecimento. No entanto, caso não tenha familiaridade com o tema, você pode concluir que esse é o principal sistema de informação utilizado pela vigilância.

2.4.3 Investigação das arboviroses

Até agora tratamos sobre a notificação dos casos, as definições necessárias e o SINAN. Porém, você verá nesta seção que a investigação é igualmente importante e que cada arbovirose que estamos estudando tem suas particularidades na condução da investigação.

O Guia de Vigilância em Saúde orienta a investigação das arboviroses e aborda os indicadores que devem ser analisados pela vigilância (BRASIL, 2019a).

A seguir destacam-se os objetivos de vigilância das arboviroses de maior importância.

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