Unidade 6 – Comunicação para Vigilância e Controle das Arboviroses

Tratamos até agora da comunicação de risco em cenários não epidêmicos relacionando-a com a percepção de risco. Agora vamos nos centrar nas estratégias comunicacionais em situação epidêmicas, especificamente da sensibilização preventiva e da comunicação de crise. E, para entendermos melhor o desenvolvimento da comunicação de risco nessas situações, vamos recorrer a dois exemplos que você pode reconhecer em nossa realidade brasileira: epidemias de dengue e zika. É importante reforçamos que não se trata de estratégias excludentes. Ao contrário, elas podem e devem ser trabalhadas conjuntamente levando em conta as especificidades da evolução dos cenários e das comunidades de risco.

Trazendo um panorama geral da dengue no Brasil, vemos que a primeira epidemia com registro clínico e laboratorial ocorreu ainda no início da década de 1980. Nesses 40 anos, a doença tem caracterizado-se como endêmica e com ciclos epidêmicos, cujas ações para o combate ao Aedes aegypti vêm sendo feitas recorrentemente, especialmente em tempos de maior proliferação do vetor e, com isso, de maior probabilidade de surtos.

Você consegue recordar-se de alguns desses ciclos recentes, de suas campanhas de conscientização, vide o conjunto de cartazes a seguir que integram a campanha do Ministério da Saúde (Figura 4), realizada entre 2019 e 2020, e de qual foi o seu comportamento e de sua comunidade diante desses surtos?

Figura 4 - Campanha de combate ao mosquito Aedes aegypti do Ministério da Saúde
Brasil (2019).

Em cenários epidêmicos contínuos ou alongados de surtos, como a dengue, é comum que, por mais que sejam grandes os riscos, a população tenda a um estado de normalização e apatia. Nesses casos, é importante que as ações comunicacionais visem à sensibilização da população. Humanizar e compartilhar experiências tornam-se estratégias eficazes e ampliam as possibilidades de mobilização.

Já quando se há tanto um alto risco como uma forte reação emocional diante da percepção de tais riscos, caracteriza-se uma situação para a comunicação de crise. Segundo a explicação apresentada pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (REYNOLDS, 2014), o termo comunicação de crise é normalmente empregado em dois sentidos. O primeiro refere-se às atividades de comunicação de uma organização que esteja enfrentando uma crise e precisa estabelecer fluxos de informação efetivos com seu público, parceiros e formadores de opinião. O segundo engloba a resposta a emergências em situações nas quais as comunidades de risco precisam ser alertadas e orientadas sobre os perigos que correm.

E o que há em comum em ambos? A noção de que, em eventos inesperados e considerados perigosos, é preciso uma resposta imediata, uma vez que tempo e precisão de informação são componentes fundamentais para reduzir riscos e garantir o bem-estar da população.

A articulação entre comunicação de risco e crise consiste, assim, em uma estratégia na qual especialistas e comunicadores divulgam informações que contribuem para uma tomada de decisão consciente dos envolvidos, sobretudo levando conta o imediatismo e as urgências que caracterizam essas situações.

Mas como isso se aplica em surtos de arboviroses?

Primeiramente, vamos retomar as atribuições das frentes de assessoria de imprensa e publicidade no Ministério da Saúde, em Secretarias Estaduais e Municipais, compartilhando o objetivo geral de evitar óbito (Quadro 2). Segundo as Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue (BRASIL, 2009), são focos das ações de assessoria de imprensa, de modo geral:

  • ● Divulgar sintomas e sinais de complicação das doenças;
  • ● Alertar sobre os perigos da automedicação;
  • ● Orientar a população na busca por atendimento médico logo nos primeiros sintomas;
  • ● Esclarecer medidas de autocuidado;
  • ● Reforçar as ações e campanhas já realizadas em períodos não epidêmicos.

Essas diretrizes orientam as atividades dos profissionais de comunicação que compõem essas frentes de atuação – assessoria de imprensa e publicidade –, mas destacando a ação conjunta com a área técnica e os gestores, como vemos no quadro de atribuições a seguir (Quadro 3).

Quadro 3 – Atribuições das frentes de assessoria de imprensa e publicidade em cenários epidêmicos no combate às arboviroses

Assessoria de imprensa Publicidade
Definição do porta-voz responsável pelo relacionamento com os públicos, em decisão conjunta com gestores e área técnica. Veiculação de campanhas publicitárias, de acordo com o plano de comunicação estabelecido pelas esferas de gestão.
Acompanhamento de entrevistas cedidas pelo porta-voz, orientando-o.
Divulgação periódica de resultados do levantamento de índices de infestação do vetor e casos registrados.
Realização de coletivas de imprensa.
Atendimento às demandas dos veículos de comunicação.
Integração e participação em reuniões de grupo de monitoramento a fim de divulgar informações de qualidade e oportunas à população.
Divulgação de sintomas das arboviroses e dos serviços de saúde para atendimento da população.
Divulgação periódica do cenário epidemiológico no estado, articulado com a situação dos municípios.
Divulgação periódica do cenário epidemiológico em bairros e nos municípios.
Fonte: adaptado de Brasil (2009).

Observe, trabalhador estudante, nas diretrizes sobre o escopo das áreas de assessoria de imprensa e publicidade, o reforço da divulgação e as atualizações constantes sobre o cenário epidemiológico. Entre as atribuições que constam no Quadro 3, gostaria que nos detivéssemos um momento na figura essencial da comunicação de crise: os porta-vozes. Você, trabalhador estudante, reconhece exemplos de porta-vozes em situações de crise? Podemos tomar como exemplo o papel exercido pelo bombeiro Pedro Aihara no rompimento da barragem de Brumadinho (MG) em janeiro de 2019. Na ocasião, o tenente ficou conhecido como o “rosto da Corporação” no relacionamento com a imprensa, ao realizar comunicados e entrevistas. Relembre a atuação do porta-voz aqui.

Em uma situação de emergência em saúde pública, com um alto grau de perigo e uma grande reação emocional, esses atores são essenciais tanto para a definição de fluxos seguros de informação e a unificação de discursos como também para a construção de uma relação de confiança com as comunidades de risco.

Vimos que o desenvolvimento de habilidades relacionadas à empatia e escuta ativa são importantes para aqueles que estão responsáveis pelo relacionamento direto com a população, atividade que você, trabalhador estudante, pode vir a exercer ou já exerce. Para além delas, você conseguiria reconhecer outras qualidades e competências necessárias aos porta-vozes em crises sanitárias, como epidemias de arboviroses?

Em um evento de importância em saúde, os porta-vozes são responsáveis por atender os diferentes públicos e comunicar-lhes as informações relevantes e precisas sobre a situação. Os fluxos de comunicação construídos como vias de mão dupla, em um aspecto sempre dialógico, devem fortalecer a confiança da população nas estruturas de respostas e ações empreendidas pelo sistema oficial de saúde, reduzir riscos e garantir a todos o direito à informação. Assim sendo, porta-vozes devem estar preparados para responder dúvidas e questionamentos variados, bem como para ouvir as preocupações e anseios das comunidades de risco (REYNOLDS, 2014).

A escolha desses atores, como vimos nas Atribuições das Assessorias de Imprensa, é uma decisão tomada conjuntamente com a área técnica e os gestores, observando seu conhecimento sobre o evento, a confiança, a credibilidade e a empatia. Espera-se que tal escolha, a preparação do porta-voz e o desenho de um plano de gestão de crise sejam realizados em uma etapa anterior ao surto, quando possível. Em suma, podemos elencar como princípios para uma boa atuação de porta-vozes (REYNOLDS, 2014):

  • ● Garantir o reconhecimento do porta-voz pelos públicos;
  • ● Explicar e deixar claro quais são as autoridades e os responsáveis pela resposta à emergência e o que tem sido feito;
  • ● Demonstrar compaixão e empatia desde o princípio do surto;
  • ● Ser honesto e divulgar informações precisas sobre o que é conhecido e desconhecido no cenário de crise;
  • ● Não fazer promessas, presunções e especulações que poderão não ser cumpridas ou serem infundadas;
  • ● Conhecer as necessidades, papel e funcionamento dos veículos de comunicação, a fim de atender a suas demandas e tê-los como parceiros na divulgação de informações;
  • ● Apresentar e reforçar um discurso unificado.

A definição e orientação de porta-vozes é apenas uma das atividades da comunicação de crise. Para entendermos melhor a dimensão dessas ações, vamos tomar como exemplos as orientações compartilhadas pela Organização Mundial da Saúde e pela Organização Pan-Americana da Saúde (Figura 5) para uma comunicação de risco eficaz relacionada ao zika vírus e que compreendem ações macro que podem ser aplicadas em surtos de modo geral. Naquele cenário, foram elencados princípios norteadores para a elaboração de um plano de comunicação de risco, que compreendem (PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION, 2016a):

  • ● As comunidades, em situações de incerteza sobre os riscos da doença e suas complicações, que precisam tanto de informações de qualidade sobre o que se sabe ou não até o momento quanto das ações pelas autoridades para buscar respostas baseadas em evidências científicas;

  • ● A divulgação periódica de informações de qualidade, precisas, acessíveis e baseadas em evidências científicas gera e fortalece a confiança da população nas ações e orientações dadas pelas autoridades em saúde. Para isso, é importante que se considerem diferentes meios de comunicação para alcançar as comunidades de risco;

  • ● A importância de manter os veículos de comunicação e jornalistas constantemente atualizados sobre a evolução da doença, assim como de sanar as dúvidas que possam ter. É essencial também orientar e treinar porta-vozes;

  • ● A coordenação de mensagens e unificação de discursos de modo a evitar confusões e gerar desconfiança;

  • ● O conhecimento e a caracterização das comunidades de risco levando em conta suas especificidades e regionalidades na construção de mensagens-chave;

  • ● As comunidades, que devem ser o centro das ações de comunicação de risco na resposta a emergências em saúde e, nessas situações, devem ser fortalecidas e encorajadas à mobilização social para a prevenção e combate ao vetor;

  • ● A redução de rumores, o combate à desinformação e a reação desproporcional diante dos dados, que são objetivos da comunicação de risco;

  • ● As recomendações, que podem ser modificadas a medida que se conhece mais sobre o comportamento do vírus e sobre a doença, e isso precisa ser esclarecido e reforçado com a população;

  • ● Criação de mecanismos e estratégias para campanhas de conscientização e mobilização social;

  • ● A educação em saúde, que é um processo fundamental para a mudança de comportamentos e práticas. Nesse sentido, é essencial o envolvimento de escolas e educadores, bem como de lideranças comunitárias.

Figura 5 - Cartazes explicando o que é zika, orientações de prevenção e tratamento
Pan American Health Organization (2016b).

Você deve estar pensando: como transformar tais princípios em ações a serem executadas em meu território no caso de uma epidemia de uma ou mais arboviroses? Compartilhamos aqui alguns exemplos de atividades que você, trabalhador estudante, pode implementar de maneira coordenada em emergências em saúde pública (PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION, 2016a).

  • ● Adaptar e divulgar mensagens-chave;
  • ● Produzir e disparar releases para os veículos de comunicação;

  • ● Produzir e enviar relatórios para parceiros estratégicos;

  • ● Desenvolver material de cunho educativo-informativo para os jornalistas e formadores de opinião explicando a situação de emergência;

  • ● Atualizar constantemente canais de comunicação oficiais de seu território;

  • ● Responder às solicitações de entrevista e dúvidas da mídia;

  • ● Monitorar as informações, dúvidas e questionamentos que circulam pelos veículos de comunicação e são levantados pelas comunidades de risco;

  • ● Criar e/ou ativar a central de atendimento por telefone para o contato direto com a população, o disque-saúde local. Podem ser trabalhados também canais como SMS ou aplicativos de conversa. É importante tanto a padronização das respostas como o levantamento das dúvidas mais frequentes para guiar a produção de materiais informativos;

  • ● Realizar coletivas de imprensa para pronunciamentos oficiais com atualizações constantes sobre o cenário epidemiológico;

  • ● Construir e fortalecer fluxos de informação com o sistema oficial de saúde, área técnica e redes de laboratório;

  • ● Produzir e divulgar materiais informativos voltados à comunicação, educação e conscientização das comunidades de risco.

Veremos adiante a importância dessa inter-relação entre comunicação e mobilização social e um passo a passo que ajudará você na implementação de tais ações, mas antes, é preciso identificarmos e reconhecermos o caráter mobilizador e educativo da comunicação de risco em cenários epidêmicos e não epidêmicos.

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