Programa Educacional em Vigilância e Cuidado em Saúde no Enfrentamento da COVID-19 e de outras Doenças Virais
O controle de focos consiste na eliminação de todos os depósitos que ofereçam condições favoráveis à oviposição do vetor. Deve preferencialmente ocorrer por meio de controle mecânico, e, no caso de impossibilidade de destruição, vedação ou destinação adequada, os depósitos com água devem ser tratados com inseticida químico ou biológico para a eliminação de larvas ou pupas (tratamento focal) nas localidades infestadas pelo Aedes aegypti.
Não devem ser aplicados inseticidas: em latas, plásticos e outros depósitos descartáveis que possam ser eliminados; em garrafas, que devem ser viradas e colocadas ao abrigo da chuva; em utensílios de cozinha que sirvam para acondicionar e cozer alimentos; em aquários ou tanques que contenham peixes; em pratos de vasos de plantas; em vasos sanitários, caixas d'água de descarga e ralos de banheiro, exceto quando a casa estiver desabitada ou o banheiro em desuso; e em bebedouros de animais.
Atendendo às recomendações de manejo para prevenir a resistência a inseticidas, conforme Nota Informativa Nº 103/2019-CGARB/DEIDT/SVS/MS (BRASIL, 2019c), as espinosinas estão sendo adotadas no controle larvário de Aedes aegypti em substituição ao larvicida análogo de hormônio juvenil pyriproxyfen. A Nota Técnica Nº 10/2021-CGARB/DEIDT/SVS/MS (BRASIL, 2021b) traz orientações técnicas para utilização do larvicida biológico Espinosade, derivado da fermentação biológica da bactéria Saccharopolyspora spinosa, e aborda características do produto adotado, seu modo de ação e utilização, base de cálculo para solicitação ao MS, informações de proteção à saúde dos trabalhadores, toxicidade e condições necessárias para armazenamento adequado. Cabe ressaltar que é fundamental a aplicação do larvicida obedecendo à dosagem recomendada e após realização da cubagem do depósito, conforme orientado pela Nota Técnica Nº 10/2021-CGARB/DEIDT/SVS/MS (BRASIL, 2021b).
A baixa adesão da população à manutenção dos imóveis livres de criadouros após a visita dos ACE é uma importante limitação ao controle de Aedes aegypti nos domicílios. Estratégias e processos de educação em saúde devem estimular a mudança de comportamento dos cidadãos, promovendo práticas responsáveis pela redução das fontes geradoras de mosquitos nas suas residências (JARDIM; SCHALL, 2015).
De acordo com as DNPCED, a aplicação espacial a UBV tem como função específica a eliminação das fêmeas de Aedes aegypti, devendo ser utilizada somente para bloqueio de transmissão e controle de surtos ou epidemias. Essa ação integra o conjunto de atividades emergenciais adotadas nessas situações, e seu uso deve ser concomitante com todas as demais ações de controle, principalmente a diminuição de fontes de mosquito (controle focal). A avaliação das atividades de rotina deve ser realizada de forma concomitante, buscando-se a correção de falhas.
Segundo as DNPCED, o princípio do método de controle vetorial a UBV consiste na fragmentação de uma pequena quantidade de inseticida pelo equipamento, formando pequenas partículas denominadas aerossóis. Essa nebulização, ao ser colocada no ambiente, eliminará por ação de contato todos os mosquitos que estiverem voando no local. As aplicações com Ultrabaixo (UBV) pesado são recomendadas para controle do Aedes aegypti em surtos e epidemias.
A eficiência das aplicações espaciais a UBV é bastante discutida, pelo curto período de persistência do inseticida no ambiente (não há efeito residual) e pela rápida recuperação da população de vetores, que ocorre poucas semanas depois da aplicação. A ação do inseticida nesse tipo de aplicação é fortemente influenciada pelas correntes de ar, por fatores físico-químicos do ambiente, como temperatura, eletricidade e pressão barométrica, pela coincidência dos horários de aplicação com o horário de maior atividade vetorial e, ainda, por fatores operacionais, como velocidade de aplicação, diluição do inseticida e regulagem do equipamento. As barreiras físicas encontradas nas cidades, como muros, vegetação alta e a não abertura de portas e janelas das casas pelos moradores nos momentos de aplicação do inseticida a UBV, também diminuem sua eficácia. Outros fatores de importante influência na qualidade das aplicações são a qualificação dos operadores e a supervisão da atividade (Figura 27).
A metodologia recomendada pelo MS para aplicações de inseticidas a UBV por meio de equipamentos acoplados a veículos pode ser consultada em detalhes no documento DNPCED (BRASIL, 2009).
Os equipamentos costais motorizados são utilizados em locais em que o acesso com equipamento pesado não seja possível e, também, para bloqueio de transmissão, quando os primeiros casos são detectados em uma localidade. A utilização de equipamento costal motorizado apresenta uma eficácia maior que a do equipamento pesado, porém, dependendo da modalidade da sua aplicação, o rendimento é bastante baixo (Figura 28). A utilização desses equipamentos em aplicações intra e peridomiciliares tem um rendimento de, no máximo, seis quarteirões/equipamento/dia, o que dificulta seu uso em grandes áreas, devido ao número de operadores e equipamentos necessários para conter rapidamente a transmissão. Alguns municípios com maior número de ACE e boa capacidade operacional, entretanto, realizam a aplicação espacial de inseticidas exclusivamente por meio dos equipamentos costais.
O bloqueio de transmissão baseia-se na aplicação de inseticida por meio da nebulização espacial a frio – tratamento a UBV – utilizando equipamentos portáteis em, pelo menos, uma aplicação, iniciando no quarteirão de ocorrência do caso de arbovirose notificado e continuando nos quarteirões adjacentes, considerando um raio de 150m. As atividades de bloqueio de transmissão devem, preferencialmente, ser adotadas após análise atualizada de indicadores epidemiológicos (número e localização dos casos por área, índice de infestação, arbovírus/sorotipo circulante) e operacionais (cobertura de visitas, número de quarteirões, índice de pendência, etc.) da área onde será feita a intervenção, permitindo, assim, avaliar o impacto das medidas adotadas. Dessa forma, é imprescindível a estreita integração e articulação dos serviços de vigilância epidemiológica e entomológica, de controle de vetores e da área de assistência. Essas aplicações têm caráter transitório, devendo ser suspensas quando as informações epidemiológicas indicarem que houve progresso no controle da transmissão.
A eficiência do bloqueio de transmissão aumenta consideravelmente quando se realiza a remoção prévia dos focos larvários, com a intensificação das visitas domiciliares e mutirões de limpeza e com a colaboração da população, abrindo portas e janelas, de maneira a facilitar a entrada das gotículas no domicílio.
O bloqueio de transmissão é a estratégia de escolha para uma ação imediata, quando se faz necessário o combate ao vetor em sua forma adulta. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando são notificados os primeiros casos suspeitos em municípios infestados, ou ao serem confirmados os primeiros casos de arboviroses em determinada área.
Atendendo às recomendações de manejo para prevenir a resistência a inseticidas (Nota Informativa Nº 103/2019-CGARB/DEIDT/SVS/MS), o inseticida organofosforado malathion começou a ser gradualmente substituído por uma formulação associada dos inseticidas imidacloprida e praletrina. Para controle de Aedes aegypti em situação de surtos e epidemias e nos bloqueios de transmissão, adotou-se o produto comercial de nome Cielo-ULV, do grupo dos neonicotinoides e piretroides.
A aplicação residual consiste em aplicar nas superfícies dos criadouros do mosquito Aedes aegypti e ao seu redor uma camada de cristais do princípio ativo inseticida, possibilitando uma ação prolongada do produto. Sua permanência na proximidade do criadouro aumenta a possibilidade de eliminação do mosquito. Esse tipo de aplicação é realizado tradicionalmente em pontos estratégicos, locais com concentração de depósitos preferenciais para as fêmeas do Aedes aegypti realizarem oviposição, ou em locais especialmente vulneráveis à sua introdução.
O inseticida preconizado pelo MS para controle de populações adultas de Aedes aegypti, por meio de aplicações de efeito residual em pontos estratégicos, é o produto de nome comercial Fludora® Fusion. Trata-se de uma associação dos inseticidas clotianidina e deltametrina, das classes dos neonicotinoides e piretroides, respectivamente. Informações detalhadas sobre o inseticida Fludora® Fusion e seu modo de utilização, modo de ação, dosagens recomendadas, cálculos, informações para proteção à saúde dos trabalhadores, exames complementares necessários aos ACE, cuidados para limpeza dos equipamentos e aferição de vazão, toxicidade, condições necessárias para armazenamento adequado e logística reversa, podem ser encontradas na Nota Técnica Nº 5/2020-CGARB/DEIDT/SVS/MS (2020c).
Diante da eficácia limitada dos métodos de aplicação de inseticidas tradicionalmente usados para controle do Aedes aegypti, recentemente a borrifação residual intradomiciliar (BRI) em áreas urbanas passou a ser recomendada como método alternativo. Cabe ressaltar que, apesar de apresentar maior eficácia na eliminação das populações de mosquitos que se encontram dentro dos domicílios, a BRI também tem efeito de curta duração, não superior a três semanas. A borrifação deve ser aplicada particularmente nos locais preferenciais de descanso das espécies Aedes, especialmente dentro de domicílios e outros locais de risco para segmentos específicos da população, como escolas, centros comunitários, centros de saúde, etc. (VÁZQUEZ-PROKOPEC et al., 2017; ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2019b).
Conheça mais sobre a metodologia de aplicação de BRI para o controle de arboviroses no Manual para aplicação de borrifação residual em áreas urbanas para o controle do Aedes aegypti, disponível aqui.
Projeto desenvolvido pela Superintendência de Controle de Endemias do Estado de São Paulo (SUCEN/SP) está avaliando a aplicação de BRI em "hotspots" (áreas com alta transmissão de arboviroses) para o controle do Aedes aegypti nos municípios de Marília-SP, Araçatuba-SP e Natal-RN. Um dos objetivos do estudo é validar um protocolo de BRI adaptado à realidade dos municípios brasileiros para adoção pelo Programa Nacional de Controle das Arboviroses.
A resistência é a seleção de uma habilidade em uma linhagem de um organismo em tolerar doses de tóxicos que seriam letais para a maioria da população normal (suscetível) da mesma espécie (BERGAMIN FILHO; AMORIM, 1996). Ela pode ocorrer por meio de diferentes e complexos mecanismos, sendo conhecidos os seguintes: 1) alterações comportamentais; 2) alterações no exoesqueleto dos insetos que dificultam a penetração dos compostos; 3) mutações estruturais nas proteínas-alvo desses compostos, impedindo ou atrapalhando sua ligação; 4) aumento na capacidade de detoxificação do inseticida por maior capacidade de catalização ou ampliação da quantidade de enzimas produzidas (resistência metabólica) (MOYES et al., 2017).
O uso contínuo e intensivo de inseticidas de um mesmo ingrediente ativo para o controle químico de uma população acelera a seleção de mosquitos resistentes, ou seja, daqueles capazes de sobreviver a doses que matariam os suscetíveis (não resistentes). Ao longo do tempo, o percentual de indivíduos resistentes nessa população vai aumentando tanto que, em algum momento, aquele inseticida já não é suficiente para controlar essa população de mosquitos no campo (ROUSH, 1989).
Os inseticidas aprovados pela OMS para uso em saúde pública são poucos, já que devem passar por diversas avaliações de segurança para comprovação do baixo risco de causarem danos à saúde humana, dos demais animais e meio ambiente. Segundo a OMS, a resistência das populações de Aedes aegypti às classes de inseticidas organofosforados (OF) e piretroides (PI), mais tradicionalmente usadas, já está presente na maioria das regiões do mundo em que esse mosquito é encontrado (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013).
No Brasil, os primeiros relatos de resistência dessa espécie ao larvicida temefós, da classe dos OF, ocorreram em 1995. Poucos anos depois, cerca de metade dos municípios brasileiros já apresentava alterações de suscetibilidade de larvas de Aedes aegypti expostas ao produto, cenário que se agravou até a substituição do produto por larvicidas da classe dos reguladores de crescimento (IGR) a partir de 2009 (CHEDIAK et al., 2016). O mesmo ocorreu com os inseticidas utilizados para o controle de Aedes aegypti adultos, e o aumento da resistência aos PI e carbamatos ocasionou trocas das classes de inseticidas adotados ao longo do tempo. Com quatro a cinco anos de utilização do IGR pyriproxyfen para controle larvário da espécie em saúde pública, foram detectadas entre 2017 e 2018 as primeiras alterações de suscetibilidade ao larvicida no país. Na mesma ocasião, foi relatada a presença de resistência ao OF malathion dispersa em todo o território nacional (CAMPOS et al., 2020).
A resistência dos vetores aos inseticidas deve sempre ser monitorada, apoiando a adoção de produtos eficazes para o controle químico. Além disso, outros métodos de controle devem ser realizados de maneira integrada, e a aplicação de inseticidas é o último recurso utilizado, buscando-se reduzir a necessidade da aplicação de inseticidas e a seleção de indivíduos resistentes.
Compreenda melhor como ocorre a seleção de insetos resistentes aos inseticidas e como são realizados os testes para sua detecção em laboratório, assistindo ao vídeo Módulo 5 – Estratégias de Controle de Vetor produzido pela Fiocruz.